segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

04

         Essa noite sonhei que construía uma casa. Passei das 22h às 10h em um trabalho cansativo, juntando massas, tijolos, madeiras. E acordei emocionada. O sonho não tinha nenhuma relação com nada que poderia me deixar emotiva. Mas acordei, abri meu caderno e escrevi para eles. Há uma certo alívio na melancolia que tenho desse amor. Aproveitei, enquanto chorava sem me controlar, podia ao menos saber que eles foram reais. Minha tia me dizia para sair do mundo das palavras. "Saia do vale encantado que você criou e viva a realidade", ela dizia. Não teimava. E fingia obedecer. Tinha dó do muro que ela tinha criado em sua vida. Era alto, impossível de pular, de quebrar, de olhar através dele. Das 22h às 10h, construí uma casa. Nem se trabalhasse por todas as noites, conseguiria formar um muro desses. Ela trabalhou duro. E eu não consegui atravessar. Tenho uma entrega, porém, para quando encontrar uma porta lá no meio. Reservei amor, lembranças e consolo. E aguardo.
         Sorrio ao lembrar das histórias da minha tia com a minha mãe. E sorrio imaginando as coisas em sua cabeça. Imagina só, imaginar que escrever é imaginário.  Só uma porção de códigos, que juntos formam outra porção de códigos. Letras, palavras, frases. Madeira, teto, chão. Invenção. Eu escrevia. Não tinha nada. Nada mesmo. Mas era a única coisa capaz de aconchegar verdadeiramente um coração sem lar. Me fazia voltar pra casa, me fazia imaginar uma.
        Parecia um bom momento para me encorajar. Minha rinite atacava e se confundia com a minha manhã melancólica, enquanto eu abria as minhas caixas. Cheias de roupas, cheiros, fotos, recados e uma porção de objetos que mais pareciam lembranças de outra vida. O tempo passou devagar, a cada tirada de pó uma cena se formava. Mas fluiu como em um sonho, e em um piscar de olhos estava com o meu mundo formado naquelas quatro paredes. É engraçado. Porque era meu mundo. Mas também eram as histórias que eu queria esquecer. De qualquer forma, era o meu mundo. E parecia que o externo refletia o poço de memórias que viva dentro de mim. 
       Limpei o meu rosto, respirei fundo e levei o lixo para fora. As caixas que há tanto esperaram para serem retiradas. Ele estava quieto. Não sorriu, não pronunciou nenhuma palavra, e nem parecia me perceber quando desci as escadas. Eu já estava esperando alguma reação, talvez esperasse até um pingo de orgulho em seus olhos. Mas nada. Não sei o que esperava, já que era meu quarto dia com aquela figura praticamente estranha na minha vida. Talvez, imagine uma conexão que não há entre nós. Eu era uma orfã que atrapalhava a sua vida pacata. Não existe ligação entre eu e mais ninguém. 
       Tenho que parar de imaginar. Não sei. Só sinto. E sinto errado. Subi e voltei a escrever. Só uma porção de códigos, que juntos formam outra porção de códigos. Letras, palavras, frases. Madeira, teto, chão. Invenção. Eu escrevia. Não tinha nada. Nada mesmo. Mas era a única coisa capaz de aconchegar verdadeiramente um coração sem lar. Me fazia voltar pra casa, me fazia imaginar uma.

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