quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

02.

Acordei no desconhecido quarto ao lado do qual a palavra já me lembrava. Meu cômodo era simples, branco. Inteiro. E a cor já me lembrava. As escrivaninhas de madeira pareciam esperar pelas gavetas cheias de páginas de rascunhos. As caixas, que eram poucas e pequenas, pediam para ser esvaziadas e jogadas para longe. Não combinavam. Mas eu pedia a elas que esperassem, não sabia se ia ficar. Coloquei-as no armário manchado de adesivos já arrancados e tirei da menor uma foto da minha mãe. A coloquei em um porta retrato em cima da mesa, e ao lado uns livros que nunca li para ocuparem espaço. Talvez assim ele ache que eu sei que vou ficar. Mas eu não sei. E, dessa vez, nem sei se sinto. Fechei a porta do quarto e não conseguia olhar para outro lugar que não fosse... desci. Ele estava pronto para sair com duas xícaras de café na mão, e antes do meu bom dia já passou uma delas para mim. Como tinha me ouvido acord"Dormiu bem?" "Dormi sim, como se estivesse em casa" "Qual delas?", perguntou com um sorriso que me fez rir antes de responder que "A minha, a primeira". Ele pegou as chaves do bolso e disse que iria sair. "A casa é sua! Pegue o que quiser para comer e aproveite para explorar um tempo sozinha por aqui. Ah..." Eu senti que ia falar do quarto. Senti e "tem um quarto lá em cima que eu uso de depósito. É do lado do seu, deve ter visto" Antes de pegar o ar para minha indignação ele completou fechando a porta que "é trancado mesmo".
Fiquei em silêncio por algumas horas. Paralisei. Tudo. Ouvia quase que inconsciente as últimas palavras que foram dirigidas a mim. Tentava digerir. De trás para frente, misturadas. Que difícil distinguir o real do que não é. Sempre só senti. E, pela primeira vez, senti que foi real. E não foi. Senti mais errado do que todas as outras vezes. Mas sinto que ele mente. Tão bem. Não, ele não mente. Eu minto. Eu devo ser uma contadora de histórias. De mim, para mim. Eu me minto. Eu minto para mim. Em mim tô. Nunca contei isso para ninguém, você deve saber. Eu gosto de falar. Mas tenho medo de falar demais. Desvesti meu medo para te confessar essa história. E, como deve ter percebido, não sou muito boa nisso também. Sinto que você vai gostar de ouvir. Mas, veja bem, você tem que saber mais do que eu sinto. Vá. Mas vá agora. Porque, deve saber: se continuar, vai entrar em um lugar não muito certo. Vai entrar aonde nada é nada. E isso pode te confundir, angustiar e pior: contaminar. Não quero te cansar e muito menos te transformar. Se bem, que, se for bem formado ainda assim sempre precisa de transformação. Mas tem que querer. Tem que ouvir. Até o final. Pois, se não, só jogo palavras fora. E isso, eu tô cansada de fazer.

Meu menino.

Temos os nossos meninos:

A gente tem o primeiro namorico 
Sem nem selinho, nem nada
A gente tem o melhor amigo
Na adolescência, só de fachada
A gente tem o que parece namorado antigo.
"Vocês tem alguma coisa?" A gente dá risada.
A gente tem o amor de criança escondido 
E a gente fica boba, de boba boca calada

A gente tem saudades de um menino
Que sumiu assim: sem mais, menos, nem nada
A gente tem a surpresa de ver outro voltar
E a gente gosta dele: se sente acolhida, em casa
A gente tem o nosso menino que acalma
"Parece que a voz acalma." Ele dá risada
A gente tem os nossos meninos
O meu, por sorte, é em um
Todos
E mais alguns.